“Diálogo com patroa é fundamental”, diz doméstica sobre novos direitos

Mudanças refletem no direito e deveres entre patrão e empregadas.
Principais queixas de empregadas estão relacionadas a jornada de trabalho.

Anaísa Catucci Do G1 Campinas e Região

beth3_1

“O diálogo com a patroa é fundamental, para manter o trabalho como minha segunda casa e não ter mal-estar quando a lei passar a valer junto com nossos acordos”, define a empregada doméstica Dulceli Santos Rodrigues, sobre a aprovação da proposta de emenda à Constituição conhecida como PEC das Domésticas, que iguala os direitos trabalhadores domésticos aos dos demais trabalhadores urbanos e rurais.

Dulceli está há 15 anos no mesmo emprego, trabalha com carteira assinada e se desdobra para dar conta da rotina de lavar, passar roupas e cozinhar no próprio lar e na casa da patroa. Ela não reclama da dupla jornada e acredita que se adaptou tanto a ela que esse acerto a ajudou a se manter tanto tempo no mesmo emprego. Apesar de evitar conversar diretamente sobre as mudanças dos direitos trabalhistas com a patroa, a doméstica imagina que o principal impasse irá ocorrer por conta ampliação na jornada de trabalho para 44h por semana. “Não vou ficar muito alegre, vou cumprir apenas se for obrigada por minha patroa, mas antes vou tentar conversar”, afirma. Entre os 16 novos direitos trabalhistas garantidos na emenda, existem regras que ainda precisam ser regulamentadas, entre elas, como será feito o controle do horário da saída e da entrada.

Para Elizabeth Lima, de 42 anos, que trabalha há 15 anos registrada no mesmo emprego, o impacto da nova lei não vai interferir na rotina e no bolso. Segundo a empregada, a maioria das alterações já constam no contrato e foram acertados antecipadamente. “Me acho uma exceção, pois a conversa com minha patroa já me proporcionou os mesmos benefícios muito antes da aprovação da nova lei”, explica.
Obedecer a carga horária para ficar enrolando causa muita irritação e interfere no clima da casa”
Cristiane Farias Biana, empregada doméstica

As graduais transformações no mercado de trabalho fizeram com que a doméstica Cristiane Farias Biana, de 36 anos, optasse por trabalhar como diarista e pagar à parte os encargos e a poupança privada. A decisão ocorreu após passar 19 anos trabalhando em casa de família. “Minha ex-patroa reclamava que não tinha como custear os gastos. Pedi demissão e comecei a trabalhar em casas diferentes, mesmo sabendo que não teria direito aos benefícios que estão previstos na nova medida”, afirma.

Cristiane lamenta que a proposta da emenda venha a ser discutida anos depois de ter começado na profissão. “O dinheiro do fundo de garantia, por exemplo, poderia me ajudar a ter uma casa”, explica. Ela também acredita que as novas exigências previstas na lei podem afetar o relacionamento com a patroa, especialmente se tiver que prolongar a jornada de trabalho. “Fazemos de tudo para terminar o trabalho antes do previsto, mas agora obedecer a carga horária para ficar enrolando causa muita irritação e interfere no clima da casa”, disse.

saiba mais
O QUE MUDA COM A NOVA LEI
IRE SUAS DÚVIDAS
PASSO A PASSO PARA A LEGALIZAÇÃO

Promulgação e regulamentação
Após a promulgação, na próxima terça (2), a PEC das Domésticas já garante a aplicação imediata de parte dos novos direitos a babás, faxineiros e jardineiros, dentre outros trabalhos exercidos em residências. Outros direitos, no entanto, ainda dependerão de regulamentação para detalhar como serão aplicados e efetivar os direitos e deveres de empregados e empregadores. Segundo o Ministério do Trabalho, todos esses direitos ainda dependem de novas leis, ou alteração das existentes – que precisam passar pelo Congresso –, além da edição de decretos ou portarias – lançadas pelo próprio governo.

sem-titulo-2domestica
Empregados domésticos vão ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores (Foto:Reprodução/TV Globo)

arte-pec-direitos-das-domes

Deveres
Antes mesmo da regulamentação da emenda, as conversas durante o serviço já abordam direitos e deveres de patrão e funcionária na casa da jornalista de Campinas (SP) Luciana Camargo, 43 anos. Para manter boas relações e regras de convivência, ela acredita na parceria entre ambas. No entanto, Luciana não descarta que haverá momentos de estresse até conseguirem se adequar às determinações.

Dúvidas
“Muitos patrões começaram a frequentar as reuniões que até então eram voltadas só para as trabalhadoras”, explica a coordenadora das Empregadas e Trabalhadores Domésticos em Campinas (SP), Eliete Ferreira da Silva. As principais dúvidas são os novos direitos, pagamentos de licença maternidade, férias e como lidar com isso no dia-a-dia. Para a coordenadora, as mudanças são essenciais e fruto de uma conquista que não se compensa com mero aumento de salário. “Orientamos tanto os empregadores sobre as expectativas e também as empregadas na organização de dividir os horários e incluir horário de almoço e cumprir o horário determinado”.

“Trabalho há três anos com minha funcionária e ela é muito responsável. Desde o início sabemos quais atividades devem ser cumpridas e também os horários definidos. Como vou ser obrigada a ter outros gastos, também ela terá que cumprir com o que for determinado e vamos nos entender. Caso isso não ocorra para a próxima contratação vou repensar e quem sabe fazer uma contratação por terceiros”, afirma.

Mercado
Para Roberto Santiago, gestor da franquia de serviços de limpeza doméstica Mary Help em Valinhos (SP), que também seleciona profissionais para o serviço, a discussão da proposta de emenda constitucional já causou um aumento pela procura pelos serviços terceirizados, especialmente por conta da insegurança das patroas em fazer novos contratos. “Quem já tem uma funcionária não vai abrir mão pela questão da confiança, mas as pessoas que não tem o serviço estão inseguras e preferem aguardar”, disse.

Além disso, Santiago afirma que as relações entre patrões e empregadas vão sair do âmbito doméstico e ficar mais próximas do que ocorre no ambiente empresarial. “A forma amigável e familiar sobre as questões dos deveres e das atividades deve migrar para um tratamento em firmas com o comprometimento com a jornada de trabalho, metas, eficiência e até mesmo restrições como de atender o celular dentro do ambiente de trabalho”, explica.

Profissionalização
Segundo o responsável pela agência de recrutamento AG Secretarias do Lar, José Muller, as exigências devem aumentar na mesma proporção que o gasto do empregador. “Os clientes vão gastar mais que R$ 1 mil para ter uma empregada em casa por mês, com isso eles vão querer melhor qualificação com o trabalho que desenvolve e os cuidados”, afirma.

Serviço
Entre as mudanças previstas está a questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que passa a ser obrigatório o recolhimento. Os trabalhadores domésticos que estiverem dúvidas sobre a emissão da guia de recolhimento do FGTS podem consultar uma cartilha elaborada pela Caixa. O material está disponível na internet.